numinoso
Significado de Numinoso
adj (latnumen+oso) Segundo a filosofia da religião de Rudolf Otto, aplica-se ao estado religioso da alma inspirado pelas qualidades transcendentais da divindade.
"Numinoso" diz respeito ao sentimento de maravilhamento frente ao universo, àquela sensação de perplexidade frente à beleza e complexidade de um universo infinito, mas desvendável, pelo menos em parte. O termo foi criado pelo teólogo Rudolf Otto (1969 - 1937) para descrever uma espécie de experiência religiosa que independe de divindades.
==============================
Númen (do latim, numen, majestade divina)
1. divindade mitológica
3. inspiração; gênio
==============================
Em 1937 Jung escreveu sobre o numinoso* comouma instância ou efeito dinâmicos não causados por um ato arbitrário da vontade. Pelo contrário, ele arrebata e controla o sujeito humano, que é sempre antes sua vítima que seu criador. O numinoso – indiferentemente quanto a que causa possa ter – é uma experiência do sujeito independentemente de sua vontade. ... O numinoso é tanto uma qualidade pertinente a um objeto visível como a influência de uma presença invisível que causa uma peculiar alteração da CONSCIÊNCIA (CW 11, parág. 6).
Desafia explicações, porém parece conter uma mensagem individual que, embora misteriosa e enigmática, também é profundamente impressionante.
Jung percebia que a crença, consciente ou inconsciente, isto é, uma disponibilidade prévia para confiar em um poder transcendente, era uma condição prévia para a experiência do numinoso. O numinosonão pode ser conquistado; o indivíduo pode somente abrir-se para ele. Porém, uma experiência do numinoso é mais que uma experiência de uma força tremenda e compulsiva; é um confronto com uma força que encerra um SIGNIFICADO ainda não revelado, atrativo e profético ou fatídico.
Esta definição era compatível com aquela dada por Otto em The Idea oftheHoly (1917) e Jung via o encontro com numinoso como uma característica de toda experiência religiosa. A numinosidade é um aspecto de uma IMAGEM DE DEUS supra-ordenada, quer pessoal, querCOLETIVA. Investigações de experiências religiosas convenceram-no de que, em tais ocasiões, conteúdos previamente INCONSCIENTES rompem as barreiras do EGO e dominam a personalidade consciente da mesma maneira como o fazem as invasões do inconsciente em situações patológicas. Contudo, uma experiência do numinoso não é de hábito psicopatológica. Diante de relatos de encontros individuais como o “divino”, a ele apresentados, Jung sustentava que necessariamente não encontrava prova da existência de Deus; porém, em todos os casos, as experiências eram de uma profundidade tal que meras descrições não poderiam dar conta de seus efeitos.
A psicologia humanista contemporânea fala de tais acontecimentos impressivos como “experiências máximas”.
* Numinosum, em sua forma latina, no original inglês. [N. do T.]
==============================
A função dos sonhos
Embora uma de suas funções básicas seja manter o equilíbrio da psique, cabe a nós, a difícil tarefa de entender o modo como este equilíbrio pode ser alcançado. Precisamos entender o significado de “numinoso” que vem de “numem” e quer dizer sagrado, divino e, a partir daí o significado de arquétipo e sua representação através dos mitos. Por exemplo: Eros ou cupido é uma imagem mitológica do deus do amor e, com suas flechas, ele pode “ferir” a psique, sua amada.
Embora uma de suas funções básicas seja manter o equilíbrio da psique, cabe a nós, a difícil tarefa de entender o modo como este equilíbrio pode ser alcançado. Precisamos entender o significado de “numinoso” que vem de “numem” e quer dizer sagrado, divino e, a partir daí o significado de arquétipo e sua representação através dos mitos. Por exemplo: Eros ou cupido é uma imagem mitológica do deus do amor e, com suas flechas, ele pode “ferir” a psique, sua amada.
==============================
Este texto foi retirado do artigo "Fascínio e Terror: o Sagrado", de Dora Bay. Trata da natureza do sagrado a partir da abordagem de Rudolf Otto na sua obra clássica, O Sagrado. O artigo completo, em pdf pode ser lido aqui:
http://www.cfh.ufsc.br/-dich/textocaderno61.pdf
No intuito de elucidar as características irracionais peculiares do sagrado o autor cria o neologismo numinoso, derivado do termo latino numen, que significa deidade ou influxo divino. Explica ele que o elemento numinoso pode ser identificado como um princípio ativo presente na totalidade das religiões, portador da idéia do bem absoluto. Quando se refere ao numinosoesclarece que é ”uma categoria especial de internegração e de avaliação e, da mesma maneira, de um estado de alma numinoso que se manifesta quando esta categoria se aplica, isto é, sempre que um objeto se concebe como numinoso”. (Otto, 92, p. 15). Desta forma a categoria do numinoso caracteriza-se como algo sui generis, não passível de definição explícita, mas sim de observação e descrição, como todo fenômeno originário. A presença do numen desencadeia um estado de alma, uma reação consciente que pode ser objeto de análises psicológicas ou fenomenológicas, as quais procuram descrever o sentimento numinoso. Há estreita semelhança entre o numinoso e o mana, força divina de algumas religiões primitivas do Pacífico, também amoral e não-racional, e o orenda, o poder místico dos iroqueses da América do Norte. Nas palavras do autor:
Quando a alma se abre às impressões do Universo, a elas se abandona e nelas mergulha, torna-se suscetível, segundo Schleiermacher, de experimentar intuições e os sentimentos de algo que é, por assim dizer, um excesso característico e livre que se acrescenta à realidade empírica, um excesso não apreendido pelo conhecimento teórico do mundo e da conexão cósmica, tal como está constituído pela ciência. (Otto, op. Cit., p.188)
Os elementos que compõem a parte irracional do sagrado são descritos pelo autor a partir da reação sentimental que vivenciamos diante do objeto numinoso, uma vez que este, o numinoso, pertence ao plano da experiência vivida, da vivencia religiosa. A presença do numen, do divino, provoca uma reação emocional denominada de estado de criatura, ou sentimento de ser criatura, que desencadeia uma espécie de aniquilamento do ser, ou percepção de pura existência. Este sentimento de ínfima criatura frente ao mistério do divino é experienciado como se fosse a projeção de uma sombra, oriunda do objeto numinoso, na consciência. É neste momento que estamos perante o mysteriumtremendumetfascinans, o conjunto de sentimentos que correspondem à apreensão do numinoso. O elemento mysterium é a forma; seu conteúdo qualitativo repulsivo é o temendum, pois provoca terror; e o fascinans, que exerce fascinação, é o que nos atrai. Birck sintetiza explicando que:
O divino apresenta-se em nosso sentimento como mistério inefável, supraracional. Este ser numinoso, qualitativamente diferente, exerce sobre nós uma estranha harmonia de contrastes: uma repulsão, um terror demoníaco e, ao mesmo tempo, uma atração que fascina e cativa.(Birck, op. Cit.,p.32)
Assim entendemos que o mysterium que arrebata e comove constitui-se no elemento primeiro, e o sentimento de ser criatura é já secundário, dele decorrente.
O mysterium gera três sentimentos, os quais passamos a explicar. O mysteriumtremendum que em sua forma primitiva faz tremer, causa calafrio. Manifesta-se pelo tremor místico, o grau de maior profundeza e interioridade do sentimento religioso. Este elemento é muitas vezes descrito nos textos bíblicos como a “ira de Deus”, que na forma racionalizada transforma-se na “justiça divina”, punição das transgressões.
O segundo aspecto do mysterium é o poder da majestade divina, o majestas, também manifestação do Deus vivo na experiência religiosa. Representa a superioridade mais absoluta do poder, tremenda majestas. Frente ao poder do numen, gera o sentimento de ser criatura, de dissolução do ego, pois capta a soberania absoluta do objeto; ao mesmo tempo leva ao sentimento de plenitude de ser, plena presença, desenvolvido pelas diversas formas de misticismo, o que o autor denomina misticismo da majestas.
O terceiro elemento é a energia do numinoso, a orgê ou orgé, que se manifesta principalmente no misticismo e no amor. Caracteriza-se como a energia impetuosa da experiência religiosa, a qual provoca na alma o estado de excitação, de ardor heróico, de impulsividade, é o Deus que queima, demoníaco. No entanto, como elemento irracional só pode ser representado por ideogramas que apontem apara algo indizível, sendo, portanto a mais completa antítese do deus filosófico, racionalizado e moral.
O autor adverte que estes três elementos, o tremendum, o majestas e a orgê, os quais formam a qualidade positiva do objeto numinoso, encontram-se num plano exterior a nós, e se manifestam através dos sentimentos que chamamos de mysteriumtremendum. Não esgotam a idéia do mysterium; mistério este que pode ser descrito como um mirum, a surpresa do que é secreto, incompreensível, inexplicável, que nos paralisa. Para Otto este sentimento numinoso compõe-se de três níveis evolutivos, que são: a simples surpresa de algo incompreensível ao conhecimento comum; o paradoxo que mostra sua face anti-racional; e a antinomia, o grau mais elevado do mirum que mostra os enunciados irreconciliáveis e irredutíveis entre si. Desta forma, contraditório e antinômico, o mysterium além de incompreensível e supra-racional, apresenta ainda a característica de ser anti-racional, ou seja, incompatível com a razão. É o totalmente outro levado ao extremo nas teologias místicas e também nas idéiasjóbicas de Lutero, originárias do livro de Job, do irracional na noção de Deus, e suas investidas contra a “razão prostituta”.
Outro elemento do mysterium é o que suscita uma atração especial, típica fascinação, que juntamente com o tremendum cria uma harmonia de contrastes. É o fascinans, cuja experiência é capaz de maravilhar, seduzir e embriagar, estados descritos através de expressões como “abismo de prazer” ou “delícia sem fim”. Caracteriza-se como o componente dionisíaco do numen, das religiões, capaz de exacerbar-se no delírio. No âmbito do racional este elemento é esquematizado na forma de amor, compaixão, benevolência e piedade.
O elemento do fascinans, enquanto valor subjetivo do numen, apresenta dois componentes denominados augustus e sebastus. O augustos ou o sanctum, o santo, que expressa a mais alta qualidade do numinoso, a santidade absoluta. A percepção da presença deste valor nos desperta a consciência da profanidade, de não sermos dignos do numen, também do pecado, e da necessidade de buscarmos tal dignidade através da purificação, ou de atitudes espirituais como a humildade. O fascinans ainda nos depara com o componente sebastus, a indicação da essência do objeto numinoso, que alude à prudência e ao respeito diante de Deus. O fascinans e o sebastus balizam valores éticos e morais, uma vez que a ética em sua essência é algo mais que uma elaboração social ou cultural num momento histórico, é uma racionalização decorrente dos sentimentos que o numinoso desencadeia.
Nihil est incertius vulgo, nihilobscuriusvoluntatehominum, nihilfallacius ratione totacomitiorum.
Autor: DuxBellorum
http://www.cfh.ufsc.br/-dich/textocaderno61.pdf
No intuito de elucidar as características irracionais peculiares do sagrado o autor cria o neologismo numinoso, derivado do termo latino numen, que significa deidade ou influxo divino. Explica ele que o elemento numinoso pode ser identificado como um princípio ativo presente na totalidade das religiões, portador da idéia do bem absoluto. Quando se refere ao numinosoesclarece que é ”uma categoria especial de internegração e de avaliação e, da mesma maneira, de um estado de alma numinoso que se manifesta quando esta categoria se aplica, isto é, sempre que um objeto se concebe como numinoso”. (Otto, 92, p. 15). Desta forma a categoria do numinoso caracteriza-se como algo sui generis, não passível de definição explícita, mas sim de observação e descrição, como todo fenômeno originário. A presença do numen desencadeia um estado de alma, uma reação consciente que pode ser objeto de análises psicológicas ou fenomenológicas, as quais procuram descrever o sentimento numinoso. Há estreita semelhança entre o numinoso e o mana, força divina de algumas religiões primitivas do Pacífico, também amoral e não-racional, e o orenda, o poder místico dos iroqueses da América do Norte. Nas palavras do autor:
Quando a alma se abre às impressões do Universo, a elas se abandona e nelas mergulha, torna-se suscetível, segundo Schleiermacher, de experimentar intuições e os sentimentos de algo que é, por assim dizer, um excesso característico e livre que se acrescenta à realidade empírica, um excesso não apreendido pelo conhecimento teórico do mundo e da conexão cósmica, tal como está constituído pela ciência. (Otto, op. Cit., p.188)
Os elementos que compõem a parte irracional do sagrado são descritos pelo autor a partir da reação sentimental que vivenciamos diante do objeto numinoso, uma vez que este, o numinoso, pertence ao plano da experiência vivida, da vivencia religiosa. A presença do numen, do divino, provoca uma reação emocional denominada de estado de criatura, ou sentimento de ser criatura, que desencadeia uma espécie de aniquilamento do ser, ou percepção de pura existência. Este sentimento de ínfima criatura frente ao mistério do divino é experienciado como se fosse a projeção de uma sombra, oriunda do objeto numinoso, na consciência. É neste momento que estamos perante o mysteriumtremendumetfascinans, o conjunto de sentimentos que correspondem à apreensão do numinoso. O elemento mysterium é a forma; seu conteúdo qualitativo repulsivo é o temendum, pois provoca terror; e o fascinans, que exerce fascinação, é o que nos atrai. Birck sintetiza explicando que:
O divino apresenta-se em nosso sentimento como mistério inefável, supraracional. Este ser numinoso, qualitativamente diferente, exerce sobre nós uma estranha harmonia de contrastes: uma repulsão, um terror demoníaco e, ao mesmo tempo, uma atração que fascina e cativa.(Birck, op. Cit.,p.32)
Assim entendemos que o mysterium que arrebata e comove constitui-se no elemento primeiro, e o sentimento de ser criatura é já secundário, dele decorrente.
O mysterium gera três sentimentos, os quais passamos a explicar. O mysteriumtremendum que em sua forma primitiva faz tremer, causa calafrio. Manifesta-se pelo tremor místico, o grau de maior profundeza e interioridade do sentimento religioso. Este elemento é muitas vezes descrito nos textos bíblicos como a “ira de Deus”, que na forma racionalizada transforma-se na “justiça divina”, punição das transgressões.
O segundo aspecto do mysterium é o poder da majestade divina, o majestas, também manifestação do Deus vivo na experiência religiosa. Representa a superioridade mais absoluta do poder, tremenda majestas. Frente ao poder do numen, gera o sentimento de ser criatura, de dissolução do ego, pois capta a soberania absoluta do objeto; ao mesmo tempo leva ao sentimento de plenitude de ser, plena presença, desenvolvido pelas diversas formas de misticismo, o que o autor denomina misticismo da majestas.
O terceiro elemento é a energia do numinoso, a orgê ou orgé, que se manifesta principalmente no misticismo e no amor. Caracteriza-se como a energia impetuosa da experiência religiosa, a qual provoca na alma o estado de excitação, de ardor heróico, de impulsividade, é o Deus que queima, demoníaco. No entanto, como elemento irracional só pode ser representado por ideogramas que apontem apara algo indizível, sendo, portanto a mais completa antítese do deus filosófico, racionalizado e moral.
O autor adverte que estes três elementos, o tremendum, o majestas e a orgê, os quais formam a qualidade positiva do objeto numinoso, encontram-se num plano exterior a nós, e se manifestam através dos sentimentos que chamamos de mysteriumtremendum. Não esgotam a idéia do mysterium; mistério este que pode ser descrito como um mirum, a surpresa do que é secreto, incompreensível, inexplicável, que nos paralisa. Para Otto este sentimento numinoso compõe-se de três níveis evolutivos, que são: a simples surpresa de algo incompreensível ao conhecimento comum; o paradoxo que mostra sua face anti-racional; e a antinomia, o grau mais elevado do mirum que mostra os enunciados irreconciliáveis e irredutíveis entre si. Desta forma, contraditório e antinômico, o mysterium além de incompreensível e supra-racional, apresenta ainda a característica de ser anti-racional, ou seja, incompatível com a razão. É o totalmente outro levado ao extremo nas teologias místicas e também nas idéiasjóbicas de Lutero, originárias do livro de Job, do irracional na noção de Deus, e suas investidas contra a “razão prostituta”.
Outro elemento do mysterium é o que suscita uma atração especial, típica fascinação, que juntamente com o tremendum cria uma harmonia de contrastes. É o fascinans, cuja experiência é capaz de maravilhar, seduzir e embriagar, estados descritos através de expressões como “abismo de prazer” ou “delícia sem fim”. Caracteriza-se como o componente dionisíaco do numen, das religiões, capaz de exacerbar-se no delírio. No âmbito do racional este elemento é esquematizado na forma de amor, compaixão, benevolência e piedade.
O elemento do fascinans, enquanto valor subjetivo do numen, apresenta dois componentes denominados augustus e sebastus. O augustos ou o sanctum, o santo, que expressa a mais alta qualidade do numinoso, a santidade absoluta. A percepção da presença deste valor nos desperta a consciência da profanidade, de não sermos dignos do numen, também do pecado, e da necessidade de buscarmos tal dignidade através da purificação, ou de atitudes espirituais como a humildade. O fascinans ainda nos depara com o componente sebastus, a indicação da essência do objeto numinoso, que alude à prudência e ao respeito diante de Deus. O fascinans e o sebastus balizam valores éticos e morais, uma vez que a ética em sua essência é algo mais que uma elaboração social ou cultural num momento histórico, é uma racionalização decorrente dos sentimentos que o numinoso desencadeia.
Nihil est incertius vulgo, nihilobscuriusvoluntatehominum, nihilfallacius ratione totacomitiorum.
Autor: DuxBellorum
==============================
NUMINOSO: Do sagrado de Otto ao Arquétipo de Jung
13 13America/Sao_Paulo abril 13America/Sao_Paulo 2010 por Fabricio
Fabrício Fonseca Moraes
(Esta palestra foi apresentada no I Congresso Estadual de Psicologia Analítica, realizado em Vitória, Dezembro 2009)
Este Primeiro congresso Estadual de Psicologia Analítica, é sem dúvida um marco na história do movimento junguiano capixaba e a realização de um sonho sonhado muitos.
Gostaria de parabenizar ao Programa Portas – que é um baluarte da psicologia junguiana no ES – e ao PET por essa importante iniciativa em contribuir com a psicologia analítica no ES.
A nossa proposta para esta palestra é pensarmos um pouco sobre o conceito “numinoso”, que é encontrado com freqüência na obra de Jung como uma qualidade ou caráter do inerente ao arquétipo. Mas, para compreender a adoção deste conceito, é necessário buscarmos a sua origem, o que nos leva a Rudolf Otto, que foi contemporâneo de Jung, e um dos responsáveis pelas conferências Eranos.
Rudolf Otto, o Sagrado e o Numinoso
Apesar de sua importância, Rudolf Otto(1869-1937) não é muito conhecido em nosso meio. Nascido na Alemanha, Otto foi um destacado teólogo protestante, filósofo e historiador das religiões. Esses três títulos de “teólogo”, “filósofo” e “historiador” correspondem também aos três estágios de desenvolvimento de sua obra, cuja primeira fase[i]correspondeu a seus estudos direcionados a teologia cristã, sua segunda fase marcada pela obra “O sagrado”, onde ele discutiu questões relacionadas a filosofia, mais propriamente fenomenologia da religião e Psicologia da religião. A terceira fase de sua obra, foi dedicada a estudos comparativos de história das religiões, especialmente as religiões orientais.
Um dado fundamental sobre Rudolf Otto é que ele, assim como Jung, não foi um pensador de gabinete, sua “inspiração”(por assim dizer) vinha das viagens que realizou ao longo de sua vida – como, por exemplo, a Grécia, ao norte da Europa (Finlândia, Russia, Suécia), Oriente Médio (Beirute, Jerusalem), Norte da Africa(Egito), Oriente (India, China, Japão, Ceilão), America (EUA). A experiência com essas culturas diferentes, com formas de perceber a religião, fez de Otto um pensador ímpar. Seu trabalho influenciou pensadores importantes como MirceaEliade e Paul Tillich, assim como C.G.Jung.
A obra que deu destaque a Rudolf Otto foi “O Sagrado – Os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional” e foi publicada em 1917, durante a primeira guerra mundial. Nesse trabalho, Otto se dedicou a defender que o conceito de Sagrado seria o elemento essencial das religiões, este seria o elemento relacionado ao divino, não sendo passível de racionalização. Otto compreendia que o Sagrado era uma idéia ou noção complexa, sendo formado por dois aspectos opostos:
1 – O primeiro era o elemento “racional”. Por racional, Otto compreendia os elementos que são nomeados, ou conceituados. Ou de outra forma, seriam os elementos passíveis de serem claramente comunicados pela linguagem. Nessa categoria de racional estariam as narrativas, as doutrinas, a ética e a moral religiosa.
2 – O segundo aspecto é o que nos importa nesse momento, corresponde ao âmbito irracional do sagrado. E, o irracional seria justamente os elementos que não se dobram ao a linguagem, fugindo a uma apreensão conceitual. Esse aspecto ou categoria Otto chamou de “numinoso”. Esse termo tem sua origem no termo latino Numen significadeus ou divino. O Numinoso corresponderia ao aspecto ativo, experiencial da vivência religiosa e essa categoria só se aplicaria quando o numinoso se manifesta, ou seja, quando o numinoso se manifesta a um individuo. Otto propõe que única forma de se compreender o irracional no sagrado é ter tido uma experiência pessoal com o sagrado, Isso é tão importante, que no terceiro capitulo, ele sugere que quem não tiver tido uma experiência religiosa ou não for capaz de se recordar de uma experiência deste tipo, que não continue a ler o livro. O que se diz acerca do numinoso, só faz sentido por encontrar eco na experiência vivida.
Desse modo, para se aproximar do aspecto irracional do Sagrado, Otto tomou como referência as reações afetivas dos indivíduos frente ao numinoso, ou seja, as sensações provocadas pelo sagrado nos individuos. (Isso é um dado interessanate, pois, ao optar em discutir o numinoso a partir das reações afetivas, ele saiu do âmbito filosófico e metafisco, fez psicologia da religião.)
O numinoso, entretanto, não se manifesta de uma forma simples, mas, complexa, Otto propôs uma formula básica para expressar essa complexidade, segundo Otto o numinoso é o mysteriumtremendumetfascinans (mistério terrível e fascinante).
O mysterium corresponde a forma como o numinoso se manifesta. É o mistério, o desconhecido, incompreensível. Que quando manifesto se faz perceber como algo distinto da realidade que experimentamos, é ototalmente Outro.
Apesar de ser um mistério, ao se manifestar o numinoso é perceptível, Otto dizia que o sagrado se faz perceber pelo “arrepiar dos pêlos”, pelo “tremor dos joelhos”. Esse mistério causa arrepios, se apresentando em dois aspectos qualitativos: o Tremendum e o Fascinans.
O Tremendum é o aspecto negativo ou repulsivo do sagrado, onde a manifestação nos impele para trás, que nos impõem o temor. Ele pode ser percebido sob três formas: Tremendum, majestas e orgé.
O Tremendum é o terrível no sagrado; é o que nos faz tremer, que causa calafrios, que nos traz a sensação de risco a nossa integridade. Em nossa cultura cristã, podemos observar esse aspecto relacionado ou ao que seria demoníaco ou relacionado ao demônio ou em experiências místicas. No antigo testamento, Deus impunha temor, era o Deus que castigava, punia até a “segunda e terceira geração”. Nos dias de hoje percebemos esse “temor” na crença ou no Diabo como opositor, ou no castigo divino sentir o “peso da mão de Deus”.
O Majestas está relacionado com o poder ou a majestade com qual a experiência se apresenta. Nesse aspecto o misterium nos coloca na posição de pequenez, impotência, finitude, é o desesperador sentimento de finitude frente ao infinto produzindo o sentimento de criatura diante da grandiosidade deste Outro.
O terceiro aspecto é o Orgê que é a energia do numinoso. Que se faz manifestar na “vivacidade, paixão, natureza emotiva, vontade, força, comoção[ii]” gerados no individuo pelo contato com o objeto numinoso.
Esses aspectos são percebidos como repulsivos pois geraram o terror, o medo. E são percebidos como algo exterior a nós mesmos, algo que nos atinge.
O Fascinans é o aspecto positivo ou atrativo do sagrado, que é formado por dois aspectos, o augustus que impacta o individuo com a sensação de pureza, santidade; e o sebastus que se manifesta impondo o prudência, reverência, veneração.
A sensibilidade de Otto ao descrever o Numinoso possibilitou não só uma compreensão teórica do Sagrado ou da experiência religiosa, mas, também a possibilidade de compreendermos a experiência religiosa pela psicologia. O Numinoso não é uma noção teológica ou metafísica, mas, uma noção pautada na descrição da experiência do sagrado, a compreensão do numinoso como o aspecto irracional do sagrado que invade e toma o individuo, permitiu que Jung pudesse também aproximar a noção de numinoso da noção de arquétipo e de inconsciente.
O Arquétipo de C.G. Jung
Acredito que Jung dispensa apresentações. Mas a complexidade do conceito de arquétipo nos impõe uma constante reflexão sobre o mesmo.
Em primeiro lugar, é importante pensarmos no arquétipo num sentido amplo, não apenas como um conceito em si. Podemos pensar o arquétipo como uma categoria a priori necessária para pensarmos e compreendermos os fenômenos psíquicos, que fogem ao âmbito histórico tanto do individuo quanto do grupo no qual o individuo esta inserido. E que podem reconhecidos nas diversas culturas, seja comportamentos ou por narrativas míticas.
Assim, quando falamos em arquétipo estamos nos referimos a uma categoria de padrões basais de organização e orientação psíquica comuns a todos os seres humanos, pois sua origem e desenvolvimento remontam a historia evolutiva humana.
Como padrões basais de organização, os arquétipos são a base da organização da consciência. E por isso que Jung afirma que o arquetipo-em-si não atinge a consciência. Pois, isso comprometeria a organização do ego e da consciência.
Deste modo, o arquétipo é estranho a consciência, nós somente apreendemos suas representações . Eu prefiro usar o termo representação arquetípica no lugar de imagem arquetípica. Isso porque imagem no uso comum tem um apelo visual, gerando um pouco de confusão.
Os arquétipos podem se manifestar ou se representar em nossa realidade como:
1 – Complexos de Tonalidade Afetiva: Os complexos são centros ordenadores de nossa experiência pessoal. Os complexos são atualização dos arquétipos em nossa realidade pessoal, pois, é em torno da tendência arquetípica que vão se organizar os complexos. Por isso, que podemos compreender a dinâmica de um complexo a partir os aspectos arquetípicos – como as representações culturais – mitos e contos de fada.
2 – Representações Simbólicas Culturais: São as manifestações arquetípicas na consciência coletiva. Que podemos perceber nas narrativas mítico-religiosas e na iconografia religiosa, cuja estrutura é similar nas mais diferentes culturas.
3 – Representações Simbólicas pessoais – Os símbolos correspondem a atualização do arquétipo através da projeção em situações ou imagens que correspondem arquétipo. Os símbolos podem ser ícones (como a cruz, um santo) ou situações típicas que marcam a vida – como o “sair da casa dos pais”, um “rompimento ou uma perda afetiva”. São situações que imprimem um significado maior aos indivíduos.
4 – Representações Corporais: Os arquétipos se expressam no corpo, através sentimentos, emoções, posturas que assumimos inconscientemente e que condicionam nosso modo ser, e perceber a vida. Essas representações corporais que são tão bem descritas pela psicologia corporal – em especial a analise bioenergética.
Essas formas de representação arquetípica demonstram a amplitude da idéia de arquétipo, que vai desde o aspecto cultural ao físico.
O que não podemos perder de vista, que quando o arquétipo se constela ou se manifesta, ele traz uma energia característica à consciência, fazendo com que o ego seja atraído e se submeta(mesmo que temporariamente) a dinâmica arquetípica. Ou melhor, ele passa a ser orientado pelo arquétipo.
Os arquétipos constituem o pano de fundo de nossa realidade. E, na maioria das vezes não nos apercebemos disso, pois, não nos damos conta de que cada representação arquetípica citada é um nível manifestação do arquétipo, e que é geralmente inconsciente.
Arquétipo e o Numinoso
A relação entre o arquétipo e o numinoso, fica clara quando a representação arquetípica se constela na consciência. Quando o arquétipo se constela, o ego vai experimentar essa manifestação com um caráter compulsivo, que pode ser experimentado como um fenômeno restaurador – ou seja, que vai fortalecer o ego, mas, limitar a liberdade do ego – ou como algo ameaçador que colocaria o ego em xeque, provocando uma profunda desestabilização do ego (chegando até uma possível ruptura psicótica).
Por exemplo, a experiência arquetípica é restauradora quando ela emerge no meio de uma crise, dando um norte para o ego. Isso é muito comum nas conversões religiosas, onde, com individuo num momento de crise, eclode um símbolo cuja intensidade e a força de atração é tão forte, que o ego se ordena em função disso. Nesse mesmo nível, podemos pensar nas constelações onde um individuo se separa, larga toda sua vida para viver uma paixão que todos vêem como absurda, ou mesmo se converte a uma religião e assume uma atitude fanática. O ego fica fascinado pelo arquétipo. Nesse caso o ego supera a crise, mas, paga o preço perdendo de sua autonomia, ficando identificado pela imagem arquetípica .
No outro caso, o arquétipo ou a representação arquetípica se coloca como uma ameaça iminente seja pela projeção da sombra, pela paranóia e estc.., No transtorno obsessivo compulsivo, p.ex., onde o individuo tem pensamentos dos quais tem que se defender, ou pela síndrome do pânico onde há a sensação de morte iminente, que é a própria ansiedade de ruptura do ego.
Em sua possibilidade de manifestação, o arquétipo pode ser terrível e fascinante. Por isso Jung afirma que o arquétipo é numinoso ou que o arquétipo possui “numinosidade”, pois os a constelação arquetípica observada no consultório apresentava as mesmas características que Otto descrevera da experiência do Sagrado.
Devemos tomar cuidado, para fazermos reduções, dizendo “Sagrado é Arquétipo”, nem que o “Arquétipo é Sagrado”, não estou falando na disso, apenas que são duas categorias que nos afetam de forma similar.
Outro aspecto que aproxima o pensamento de Otto e do Jung é a questão de irracional. Tanto o sagrado quando o arquétipo são idéias ou conceitos, que não se aprende racionalmente, é necessário viver a experiência do sagrado ou do arquétipo para compreendê-las. Por exemplo, quem não sentiu o poder sedutor da anima, vai ter dificuldade para compreender a angústia de um cliente fascinado pela anima. Quem não se confrontou com o Mal em si próprio, vai ter dificuldade para compreender o Mal ou a Sombra, no cliente. Por isso que para se compreender a psicologia analítica, é necessário viver os conceitos.
O Numinoso na psicologia analítica aponta justamente para isto: omistério terrível e fascinante que nos organiza e nos constitui. Que nos confronta com quem somos, e assim, nos conduz a nós mesmos.
OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção de divino e sua relação com o racional, São Leopoldo:Sinodal/EST; Petropolis: Vozes, 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário